JM – uma pessoa #2
- Corônicas
- 7 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
Insuficiência respiratória aguda, suspeita de infecção por “vocês sabem o quê”. Chegando no hospital, arfante, foi rapidamente desviado da fila comum e deitado numa maca estreita demais. Recebido por vários profissionais encapotados até o último fio de cabelo, faziam perguntas rápidas para a sua filha, ao mesmo tempo em que o palpavam e colavam fios no seu peito grisalho. “É grupo de risco, já deixa as drogas aspiradas e o tubo por perto” – a comunicação e os gestos entre eles eram rápidos, com um tom de urgência disfarçado pelas máscaras N95, óculos, capotes, luvas e gorros. As palavras ressoavam abafadas, como dentro de um aquário. E, como crianças que batem no vidro do aquário em busca de algum sinal de vida, cada profissional lhe fazia estímulos e lhe aplicava mais e mais fios, em busca de sinais vitais. “Vamos transferi-lo agora, a saturação está caindo mesmo com o oxigênio – já colocou a pulseira de identificação? Pede pra agilizar os papéis...”. Punciona a veia, reposiciona o paciente, destrava as rodas da maca. Um dos paramentados se lembra da acompanhante, que assiste ao atendimento como quem vê a um filme russo sem legendas, e diz: “minha senhora, vamos precisar passar um tubo na boca dele pra mantê-lo respirando... ele tem que ir pra UTI e, por questão de segurança, a senhora vai precisar ficar aqui”. Num segundo, a acompanhante segura os dedos grossos e gelados e sussurra: “pai, eu te amo” – demorou tanto pra ela conseguir dizer isso, e agora o fazia às pressas... Ele lhe aperta a mão em resposta, ela compreende. No outro momento, ele desaparece pelas portas de incerteza e contaminação da unidade intensiva: ganha tubo, sedação, respirador, além de todas as dúvidas do mundo... exceto uma.
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