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J.M. – uma pessoa #1

  • Foto do escritor: Corônicas
    Corônicas
  • 29 de mar. de 2020
  • 2 min de leitura

Quinto dia no isolamento domiciliar.


Não sinto nada, mas sinto tudo. Meu nariz não escorre, minha garganta não dói, não tive calafrios... meu único sintoma é a sensação frequente de ansiedade: o fluxo de pensamentos rápido demais, as ações sem foco e as distrações com fake news no Whatsapp. Vez ou outra tenho surtos de desesperança também, fico imaginando que nunca mais a vida vai voltar a ser a mesma, que vou perder alguém querido muito em breve e que não há o que ser feito. Dá até falta de ar, mas meu amigo médico me disse que não é corona, porque falta de ar de corona não passa só com vídeos para relaxar no youtube ou com banho quente.


Não tenho nenhum vírus que eu saiba, mas tenho a sombra da dúvida: a ameaça invisível, os números que estão por vir em projeções horripilantes. Devia me sentir segura em casa (não saio de casa), mas sou frequentemente assaltada pelas notícias e pelos números. Falta de ar! Mas passa...


Ainda assim, há momentos de lucidez, com sol na varanda, exercícios respiratórios e até meditação, que tinha abandonado há um tempo. Há momentos de oração, de fé e de crença na necessidade de passarmos por isso para evoluirmos enquanto sociedade – se existe o divino, então há uma mensagem que teremos que aprender. “Estou pronta, qual a mensagem?” - pergunto ao Universo... ainda sem resposta.


Também há sonhos. Com reencontros, longos abraços e beijos molhados – posso ver as lágrimas brotando nos olhos de cada um. Nesse dia vai fazer sol, as praças vão estar lotadas e as pessoas vão sorrir e se aglomerar na luz. As crianças vão botar a mão na boca e no nariz, vamos dar risada dos dias que passaram. Vai ter música, vai ser doce como o som da alma de cada ser humano. Qual será o dia da libertação? Daqui meses, parece. Chegará.

Comprei um cacto por R$2,99 uns dias antes de tudo começar. Ele tem o tamanho da minha palma, me lembra como somos pequenos. Escrevi no pequeno vaso “passará”, olho pra ele em momentos de loucura, respiro fundo.


Sento no sofá, faço uma ligação com vídeo para meus amigos da faculdade. Tomamos uma cerveja, cada um no seu aquário. Damos risada, ainda há graça em viver. Posso sentir o sabor da esperança, é como brigadeiro, que enche a boca de alegria e faz esquecer que existe alguma coisa que não seja aquele momento.


ree

Relaxo. Passará.

 
 
 

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